domingo, 25 de março de 2012

Despida por palavras


Antônia vestia-se de versos. Desde pequenina escrevia versos como quem escreve seu próprio nome. Organizava as palavras em rimas com as mesma facilidade de quem as copia. Seus poemas eram simples e constituía uns quatro ou cinco versos, coisa de menina treiteira. Pensava que as palavras tinham o papel de torná-la múltipla, ainda que não entendesse o sentido de multiplicidade. Para Antonia, as rimas eram semanticamente puras e estratégicas. Começara a escrever não sabe bem porquê. Não conhecia poesia alguma, a não ser uma oração ritmada que vira em um livro de português na escola. Dele fizera outra oração e, ao ler na sala de aula, recebeu aplausos e elogios da professora. Pensara que escrever era coisa fácil e que qualquer um faria igual. Seus versos? Sempre os fizera naturalmente e também acreditava que, de tão fáceis, quaisquer pessoa saberia escrevê-los.  Para falar a verdade, acreditara nisso até pouco tempo quando, por meio de amigos e contatos outros, percebeu que nem todos possuiam esse dom de se despir por/em palavras. Aos doze anos, vira pela primeira vez as palavras de Leminski e, então, percebera que não só ela.. mas outros escritores faziam da mesma forma. Ficou em estado de êxtase, dormia e acordava pensando nisso. Esta foi uma de suas melhores descobertas. E, mais ainda, descobriu que tal disposição poética referia-se aos Haikais, micro-poesia que valoriza a concisão. Depois disso começou a ter outros contatos visuais, literários e proféticos. De poucos versos alternou para muitos e voltava aos poucos, conforme seus desejos e sensibilidade. Com o tempo, passou a tomar controle dos seus impulsos poéticos. Antônia de menina passou a ser mulher, de doçura passou a ser erótica e de simples foi ao mais complexo de si. Descobriu que poesia era muito pouco e tentou revelar-se prosa. De tanto prosear percebeu-se poesia. Antonia, assim, resolveu assumir-se e tem até desejos futuros de publicar livro e lá vai cassetada. Resolveu expor-se em redes sociais e sonhar em alto relevo. Antes viver de algo que naturalmente lhe pertence do que esconder-se. Cada ser tem um talento e Antônia, decididamente, encontrou o seu.


pelos caminhos que ando
 um dia vai ser
   só não sei quando 
 [Paulo Leminski]


Lu Rosário


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4 comentários:

S.M. disse...

Lu Rosário, Leminski e Antônia... que delícia de ler... Queria que o mundo fosse vestido de poesia... e prosa também!

Secreta disse...

É, tantas vezes, pelas palavras que nos revelamos!
:)
Beijito.

O Neto do Herculano disse...

A palavra me desnuda,
me veste,
me acolhe
e me afasta.

A palavra é o que sou.

Unknown disse...

Ahh menina, que coisa mais linda! :3
Adorei , realmente tem gente que nasce com o dom, sem esse sofrimento que é buscar melhorar sempre.

Me identifiquei super! :P

Beijos.

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