terça-feira, 5 de junho de 2012

A conjugação do que é amar

Amor é uma palavra bonita, pensava Neiva. Conhecera esta palavra a partir dos quatro anos, na escola, em datas comemorativas como a festa do dia das mães ou dos pais. Nesses dias, cantava-se Como é grande o meu amor por você... e dizia-se Eu te amo em corações feitos de papel e colados ao peito. Depois, lá para os oito anos, soubera dos Dez Mandamentos presentes na Bílbia. Nessa época, frequentava a igreja católica e encantava-se (ou intrigava-se) com aquele conjunto de leis que deveriam regir a moral humana. O primeiro mandamento, Amar a Deus sobre todas as coisas, fazia-lhe pensar nesse amor maior que deveria incidir sobre Aquele considerado seu criador.

Mais adiante, deparou-se com outros significados para o que seria Amar. Neiva achava a palavra Amor linda e signficativa demais para ficar presa entre quatro letras. Quando começou a estudar verbos, soube que Amor era bem mais que uma palavra. Ela podia ser várias em uma só e em seus amplos sentidos. Então dizia-se, ou conjugava-se, amo, amas e ama; amei, amaste e amou; amarei, amarás e amará. Amar passou a ser tão intenso graficamente que dava gosto à Neiva pronunciá-la quantas vezes fosse necessário. No entanto, não compreendia o que este verbo palavra poderia gerir dentro de si. Aprendera, dentre todas as coisas, que amar era uma ação contínua relativa a alguém, pois sabia que amava sua mãe, pai e irmãos. Sabia que os amava porque não conseguia imaginar sua vida sem eles, considerava-os essenciais em seu processo de descobertas. E, ao pensar assim, sabia também que a natureza era sinônimo de amor. E como natureza significava tanto, pensava também que o seu nome tinha tudo a ver com seiva, a qual aprendera nas aulas de biologia que era um líquido que circula por toda a planta para alimentar as suas células. Sentia o quão lindo era tudo isso. Sem a seiva a planta não viveria e sem a planta nós não viveríamos. Desse modo, como não pensar que em tudo isso há amor? Então, ela tinha muito orgulho de seu nome e achava que seu sorriso exalava amor.

Tempos depois, começara a namorar com um rapaz bonito e gentil. Após poucos dias de namoro, ela soltou repentinamente uma pergunta, cuja resposta tivera medo de ouvir (inclusive, mal sabe porque perguntou-lhe tamanha coisa - talvez fosse porque descobrira, na pele, um outro sentido para amor). E, assim, indagou-lhe: - Você me ama? Ele, de imediato, respondeu: Amo. Neiva calou-se, quis refletir, mas não conseguiu. Apenas o beijou demoradamente. Após mais um tempo, descobriu o quanto ele era importante para ela. Neiva dormia e acordava lembrando do seu sorriso e cada novidade corria para contar-lhe. Descobrira que estava envolta em amor e que o amor era muito mais do que se contavam por aí: era cuidar, querer bem e deixar livre. Depois dessa redescoberta, Neiva pensou que bastava amá-lo e pronto: haviam se acabado os múltiplos sentidos do amar... até que uma amiga deixou-lhe, por meio de uma rede social virtual, uma mensagem com os dizeres: Eu te amo. E, então, sua estabilidade quanto ao pensar amor havia se desestruturado. Ela começara a pensar em quantos amigos amara porque os via como importantes em sua vida e pensara o quanto era importante dizer o quanto os amara. Foi assim que o verbo amar completou seu terceiro e infindo significado, tão amplo e tão gostoso quanto os demais. Neiva, agora, vive a cultivar seus amores e quando pensa que não se cabe mais de amor, descobre que seu coração é maior do que imaginara e, assim, continua a amar, reamar e amar.



Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
[Carlos Drummond de Andrade]

Lu Rosário


Esta publicação pertence ao Prosas Poéticas. Todos os textos publicados em forma de prosa e contada de forma poética se encontram aqui. Sinta-se à vontade para conhecer os outros textos concernentes à esta categoria.


3 comentários:

Rebeca dos Anjos disse...

Aaaaaai, liiiindo! :)

Não basta ter coração grande. Ele tem que ser aberto! Disso a Neiva sabe (e ela me inspirou a lembrar que disso eu sei também).

Delícia de texto!

Beijos.

jaime aus giruá disse...

Amar, Amor, viver. Nascemos para amar, e de amor vivemos. Somos a intensidade do nosso desejo e poder de amar.
"Neiva dormia e acordava lembrando do seu sorriso e cada novidade corria para contar-lhe."
Formidável! Amei.
Abrçs

Caio disse...

Quem se vira tão bem com contos, não precisaria se preocupar com uma simples reportagem. Nunca pensei no amor com tanto sentidos, e variáveis, mas de fato, ele é muito mais do que normalmente imaginamos.

Copyright © 2014 | Design e C�digo: Sanyt Design | Tema: Viagem - Blogger | Uso pessoal • voltar ao topo