terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Deixe meus cabelos!


O que dizer desses nossos cabelos enrolados, embaralhados e cheio de turvas ondulações? Há quem por eles sentem um ligeiro desprezo, coisa de quem tem preconceito. Há também quem os tenha e não os assume, coisa de quem foi criado em um ambiente no qual cabelos lisos, escorridos e escorregadios são os mais bonitos de se ter e, portanto, também vivem a cair nos braços do famigerado preconceito. Como assim? Ah, meus leitores de parar o trânsito, nossa sociedade é dessas que vêem cabelos lisos como um padrão a ser seguido. Culpa de quem mesmo? Culpa da forma como fomos gerados, uma colônia sustentada por um sistema escravocrata na qual os negros não passavam de coisas ou animais. De brancos e negros vieram os mestiços e a nossa brasilidade - tão única e lindamente caliente. Surgiram, então, brancos com traços de negros e vice-versa. Nossos cabelos tão marcadamente negros carregaram essa carga que antes pesavam sobre aqueles que tanto sofreram em nossas terras e, assim, ter cabelos crespos passou a ser sinônimo de ter cabelo ruim, ou até mesmo sujo, e a ser um fator que causasse vergonha e ocasionasse risadas.

Cabelos crespos passaram a ser apontados nas ruas como a forma mais vil da estética feminina e os nossos pais, criados nessa esfera, não poderiam pensar diferente e lamentavam o porquê seus filhos não nascerem com cabelos melhores. Nas escolas, o bulling existia (e ainda existe) quando as crianças chamam a outra de cabelo de vassoura ou cabelo bombril, quando apontam-na por pinchaim ou tuim. A ignorância é algo que tentamos frear, mas é bem difícil conseguir. Nossa sociedade não está (ou não estava) preparada para isso até aparecer aqueles que lutam veemente pela causa, até surgir documentários a respeito e, mais ainda, novelas com atores lindos assumindo seus cabelos. Esse povo brasileiro é noveleiro demais e de tudo faz moda, então cabelo crespo começou a ser moda.

Mas antes disso tudo, há de assumir o quanto os salões investem em escovas progressivas, inteligentes, marroquinas e nos diversos tipos de relaxamento e há também de se ver o quanto nossas mestiças já perderam os seus cachos e alisaram suas raízes capilares para se enquadrarem nesse padrão estético. Afinal de contas, quem não quer atrair olhares e se sentir mais bonita? Na cultura em que vivemos, ser bonita é ter cabelos lisos. E, mais do que isso, quem não quer sentir as facilidades em se pentear os cabelos e manter os fios saudáveis? No país que vivemos, não sabemos como lidar com nossos cabelos crespos. Os produtos não são para cabelos do nosso porte. Eu mesma nunca soube como deixá-los bonitos, penteá-los ou tratá-los com os produtos adequados porque nossa sociedade só mostra o lado liso da coisa e, inclusive, as cabeleireiras só sabem cuidar de cabelos quimicamente tratados ou com a raiz lisa.

Oh God! Agora vamos ser sinceros! Mulheres que se mostra como veio ao mundo, com seus cabelos sejam lá como for, apresentam bem mais autenticidade e ficam bem mais lindas! Nosso cabelo é também nossa identidade, é algo concernente a nós e que devemos, prontamente, assumir. Quer saber? Eu passei a amar meus cabelos ondulados e meus amigos também dizem "Lu, prefiro você assim". E se alguém disser que é feio, estou me cagando para ela porque eu quero é ser eu, do meu jeito mais Do Rosário de ser! Sem contar que todos nós nos expressamos da forma que queremos e que nos fazem sentir bem. Quero dizer é que vocês podem alisar ou assumir seus cabelos crespos, mas não façam isso pensando no julgo alheio, saibam que ser assim é lindo demais e que idiota é aquele que pensa e diz o contrário.


Aparado ou escovado
Descolorido, descabelado
Cabelo pode ser bonito
Cruzado, seco ou molhado 
[Gal Costa]

3 comentários:

Anderson Oliveira disse...

Gostei do texto e das colocações, contudo ressalvo para a questão dos povos nativos, que apesar de terem sido em uma escala menor, contribuiu para mistura étnica (raça, só a humana).

Anônimo disse...

Muito Obrigada, Anderson! Não citei a questão dos índios porque nossos lindos também tem cabelos naturalmente lisos..hahaha.

Um Beijão!

Rafaela Gomes Figueiredo disse...

Óóótimo!
Adoro meus cabelos crespos e não abro mão - apesar do trabalho; como vc disse, é bem difícil lidar.
Mas concordo com a ideia de identidade.

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