quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

O beijo forte que você me deu



Eu já havia notado a sua presença. Barba por fazer, sorriso enorme e encantador em lábios carnudos e vermelhos. Já a cor da pele, todo Gabriela, todo cravo e canela, todo cor do pecado e com jeito de pecador. Em gestos de esbanjamento, piscava o olho como quem diz que quer lhe comer. Mãos delicadas, passos leves, cabelos desarrumados. Alguém sem sexualidade definida e que entende a liberdade em todos os sentidos. Sem querer querendo, aproximamo-nos na festa em homenagem a Iemanjá. Estávamos de branco, estávamos brandos. Ao som de uma belíssima interpretação de Clara Nunes, estávamos nus de tudo o que nos contemplava em outras esferas. Querendo sem querer, encontramos os corpos um do outro se enroscando e um sussurro quente em meu ouvido a suspirar "Ê baiana, Ê ê ê baiana, baianinha". Certo, ele não era da Bahia e eu já imaginava ouvir, em seguida, ele me cutucar com o famoso "O quê que a baiana tem?". Carmem Miranda que o diga o quanto isso é infinitamente repetido em bocas alheias. Mas não, eu estava errada. Ele parou no "baianinha" e eu, sorrateira, soltei uma risada descaradamente alta. 

Arrastamo-nos em mãos, braços e abraços. Vimos o céu clarear e desfalecer em uma noite que pedia mais do que homenagens, canções e cantadas. De boca em boca, conversas. De conversa pra boca outra, um beijo. Só que este parecia querer arrancar-me os lábios para uma tatuagem ou sei lá o quê. Maxilar parecia deslocar, lábios ficaram doloridos numa saliva trocada por alguns minutos. Rimos em intervalos de segundos para buscar ar e continuar a guerra que nossas bocas resolveram travar por meio de mordidas e beliscões proporcionados pelos dentes. Línguas que se mexiam em todas as direções e, às vezes, em nenhuma por travamento dos movimentos que toda aquela vontade ocasionava. Alguém gritou e o puxou, alguém me chamou e lá se fomos nós em direções contrárias. Até nos vimos em outros momentos, até compartilhamos sorrisos e piscadas de olho (que, particularmente, derretem-me o juízo), mas, por uma força desconhecida, não mais nos aproximamos. Quer saber? Ele, em minha despedida, já estava arrancando suspiros de outro. E aquele beijo ficou marcado pela sua força por mais um dia. Doía tudo em minha boca, mas meu corpo permanecia eufórico por mais uma sorte de encontrar, em um desses festejos, a chance de me perder e de me marcar tanto quanto este que, mais do que querendo, me tatuou os lábios.


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